09 Agosto 2021
O Instituto Napa, uma organização católica conservadora conhecida por sua conferência anual marcada por degustação de vinhos e charutos, anunciou plano para expandir seu trabalho para incluir programas sobre “formação sacerdotal” e uma série de palestras na Universidade de Notre Dame, com um primeiro palestrante agendado para ser o juiz da Suprema Corte dos EUA Clarence Thomas.
A reportagem é de John Gehring, publicada por National Catholic Reporter, 04-08-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Cinquenta famílias arrecadaram doações que totalizavam 500 mil dólares para os próximos cinco anos para expansão do programa, anunciou Timothy Busch, um dos fundadores do Instituto Napa, na conferência híbrida, virtual e presencial em um dos resorts de Busch na Califórnia, em 22 de julho.
Entre os doadores, de acordo com a apresentação de Busch, está Leonard Leo, personalidade influente nos corredores de Washington D.C., que teve papel central em aconselhar o ex-presidente Donald Trump nas nomeações para a Suprema Corte e outros juízes federais. Leo, que foi vice-presidente da Sociedade Federalista, também trabalhou na diretoria da Escola de Negócios Busch na Universidade Católica da América, em Washington D.C.
Em Notre Dame, a nova série de palestras do Instituto Napa será sediada no Centro para Cidadania e Governo Constitucional, o qual foi lançado em maio e é liderado pelo professor de Ciência Política Vincent Philip Muñoz. Thomas palestrará em 16 de setembro.
“Eu não poderia estar mais orgulhoso de trazer o juiz Thomas de volta para Notre Dame, e não posso ser mais grato a Tim e Steph Busch e ao Instituto Napa por nos permitirem fazer isso acontecer”, disse Muñoz no início de um discurso em vídeo que ele proferiu na conferência, focado em questões de liberdade religiosa e a Suprema Corte.
O centro “planeja expandir seu foco na liderança política trazendo mais figuras políticas nacionais para o campus e hospedando eventos regulares em Washington D.C., especialmente com políticos católicos estabelecidos e aspirantes”, de acordo com um comunicado à imprensa da universidade. Será financiado pelo Instituto Napa, Fundação Charles Koch, Departamento de Educação dos Estados Unidos, Fundação M&T e vários ex-alunos da Notre Dame e pais de ex-alunos.
Esses novos empreendimentos concluem a principal conferência de verão do Instituto Napa, uma conferência anual de negócios no outono, conferências ocasionais para padres e várias peregrinações e passeios.
A conferência de verão deste ano incluiu confissão diária e mais de 100 missas, incluindo uma missa diária em latim, que o Papa Francisco reduziu recentemente, a menos que uma permissão especial seja concedida (a conferência recebeu permissão de dom Robert Vasa, bispo de Santa Rosa, Califórnia, de acordo com Busch).
Com cerca de 700 pessoas reunidas pessoalmente e outras milhares assistindo online, os palestrantes reuniram os participantes para lutar nas guerras culturais, rejeitar o movimento Black Lives Matter, desmascarar o que eles chamam de mentiras por trás da ideologia de gênero e defender os ensinamentos da Igreja em face do que os organizadores veem como uma sociedade secular cada vez mais hostil. Vários oradores também fizeram referência ao presidente Joe Biden, o segundo presidente católico do país.
O arcebispo emérito da Filadélfia Charles Chaput, que recebeu o prêmio Lifetime Service Award com uma garrafa da vinícola de Busch, disse ao público que, apesar das muitas contribuições que a Igreja Católica faz aos Estados Unidos por meio de hospitais, escolas e vastas redes de serviço social, “nenhuma disso, nada disso importa para os líderes políticos e lobbies que odeiam o que a Igreja ensina”.
O arcebispo, que defendeu a negação da comunhão a políticos católicos pró-liberdade de escolha, também fez um ataque velado ao presidente Biden.
“Não existe catolicismo puramente cultural”, disse Chaput. “O apego emocional às contas do rosário não é ruim, mas não esgota a natureza e as exigências de uma fé viva”. O presidente Biden frequentemente cita sua fé e carrega o rosário de seu filho falecido, Beau.
O veterano ativista político conservador, L. Brent Bozell III, que assinou uma carta em dezembro declarando Trump como “o legítimo vencedor das eleições presidenciais”, chamou Biden de “o presidente de esquerda mais radical da história”.
Bozell, presidente e fundador do Media Research Center, disse que Biden é uma “figura proeminente” para “elementos do marxismo em jogo na América”.
Ele caracterizou o zeitgeist político e cultural em termos apocalípticos. “Nossa ordem social está entrando em colapso”, disse ele. “Há um caos nas ruas. Há repugnância em nossas escolas. A tradição judaico-cristã está sendo jogada fora, assim como a própria história dos Estados Unidos”.
Outros palestrantes combinaram a visão de uma Igreja Católica em apuros pregando verdades duras, junto com uma nostalgia consistente pela liderança do Papa João Paulo II e Ronald Reagan durante a era da Guerra Fria. Outro tema comum era o estado de cristianismo liberal.
“O que realmente divide os cristãos são aqueles cristãos que percebem que sua fé está contra a maré cultural e contra as patologias culturais de nossos dias e aqueles que usam sua fé cristã, ou eu diria que contorcem sua fé cristã, para afirmá-la”, disse Carl Trueman, teólogo da Igreja Presbiteriana Ortodoxa e professor de estudos bíblicos e religiosos no Grove City College, na Pensilvânia.
“Todas as semanas eu leio o National Catholic Register e o National Catholic Reporter. Não vou dizer qual deles eu gosto mais de ler, mas estou chocado com o número de católicos que culturalmente querem ser protestantes liberais”, disse ele.
Os palestrantes do Napa frequentemente difamavam o Black Lives Matter e a teoria crítica da raça, um campo de estudos desenvolvido por juristas afro-americanos na década de 1980 para examinar o racismo institucional na sociedade.
“Estamos lidando com uma nova religião e seu despertar”, disse Chris Stefanick, um escritor e popular palestrante em círculos católicos tradicionalistas que lidera a Real Life Catholic, uma organização sem fins lucrativos que produz vídeos e um programa de televisão na EWTN.
“Nós concordaríamos que houve injustiça e racismo na história dos EUA”, disse Stefanick. “Mas esse novo mundo está dizendo que a América não é nada mais que uma expressão política de racismo, e que o capitalismo não é nada além de um sistema racista, e a família não é nada além de um sistema criado para excluir pessoas LGBTQIA+, e que homens não são nada além de opressores de mulheres, que Junípero Serra não é nada além de uma representação do colonialismo, e por esse caminho nós temos que derrubar nossas estátuas e toda a Igreja Católica com elas”.
“Se você é parte da classe opressora, você é perigoso”, disse Stefanick. “O mundo está sempre nos ameaçando como se nós fôssemos perigosos”.
Os palestrantes também repetiram o alerta sobre o “estilo de vida homossexual” e a “ideologia de gênero”.
Em uma videoconferênca intitulada “Toxic Rainbows: The 07 Deadly Deceits of Gender Ideology” (“Arco-íris tóxico: as 07 mentiras mortais da ideologia de gênero”, em tradução livre), Mary Rice Hasson, diretora do Fórum de Mulheres Católicas e bolsista no programa de estudos católicos no Centro de Ética e Políticas Públicas, em Washington D.C., lamentou que “nós tivemos toda uma geração de crianças que estão sendo levadas a essas ideias de que seus sentimentos decidem a realidade”.
Seres humanos são “criados tanto homens quanto mulheres”, disse Hasson. “Sexo não pode ser mudado. Seus sentimentos são realmente irrelevantes nessa conversa. Você não pode mudar uma única célula em seu corpo. Você não pode mudar sua identidade fundamental”.
Hasson criticou o que ela vê como uma mudança ideológica motivada pela “Essa é uma falsa ciência, uma corrupção da ciência que nos coloca essas mentiras”, afirmou. “As pessoas estão difamadas, sendo canceladas e perdendo empregos se não usarem a linguagem que as estão empurrando por essa ideologia”.
Mary Eberstadt, cátedra do Centro de Informação Católica e Cultura Cristã, em Washington D.C., atacou o que ela chamou de “obsessão imparável com as identidades políticas”. De acordo com Eberstadt, aborto, contracepção, altas taxas de divórcio, declínio na filiação religiosa entre jovens, aumento do uso de pornografia e crescimento do movimento Black Lives Matter – todos vêm da mesma fonte: a revolução sexual.
“Sob a fúria performática de Black Lives Matter no verão passado, porque ameaçou espectadores e acordou as pessoas no meio da noite, e de fato sob a insistência cada vez mais punitiva sobre o gênero, sob até mesmo cancelar a própria cultura, os olhos amorosos com que supostamente devemos ver nossos irmãos revelam um denominador comum: sofrimento”, disse Eberstadt.
“Essas pessoas que se reivindicam como vítimas estão entre vítimas, mas eles não são vítimas das abstrações que têm ensinado. Elas são vítimas de muitas pessoas que nasceram depois de 1960, da destruição perturbadora de uma revolução que atormentou e diminuiu, destruindo suas famílias, até mesmo algumas vezes destruindo suas igrejas e comunidades”, afirmou.
Robert Spitzer, um padre jesuíta e ex-presidente da Universidade Gonzaga, cofundador do Instituto Napa e onde serviu como presidente, sugeriu como encontrar católicos que não buscam mais a Igreja como guia moral em questões de sexualidade, gênero e casamento.
“Há um vácuo de credibilidade que nós precisamos encarar”, afirmou Spitzer. “A maioria das nossas crianças discorda dos ensinamentos da Igreja mesmo quando são necessários para sua saúde mental e salvação. Mas nosso ensino tem que ser em defesa da igreja e da cultura”.
O padre apresentou uma série de slides de estudos acadêmicos que ele disse provar como homossexualidade, transgêneros, uso da pornografia e relações sexuais antes do casamento estão destruindo vidas.
“A fim de evitar a acusação de viés religioso nós estamos dando a nossos professores das escolas católicas um escudo para se protegerem”, disse Spitzer. “Nós temos que usar estudos seculares. Se nós conseguirmos bons estudos seculares de Harvard e Stanford, Pew e Gallup, esse será nosso trunfo de credibilidade. Então os jovens não pensarão que nós estamos levantando propaganda da Igreja Católica”.
Napa foi fundado em 2010, com o apoio financeiro de Busch, depois que o então arcebispo da Filadélfia Charles Chaput alertou em um artigo sobre o que ele chamou de “a próxima América”, um país secularizado hostil aos direitos religiosos e à moralidade tradicional.
Em seu discurso de boas-vindas, Busch, presidente do conselho de administração do Napa, exalou a disposição alegre de um CEO afável, ao fazer uma avaliação terrível da política e da cultura. Sua mensagem misturou temas católicos tradicionais com ressentimento contra os ativistas da justiça racial.
Ele descreveu a missão do Napa como “formação de fé, dizer a verdade e unir líderes católicos para transformar a cultura” como mais urgente do que nunca, pois “a liberdade religiosa é atacada, o direito à vida é atacado, a ideologia transgênero é imposta aos nossos filhos e o Black Lives Matter está promovendo o racismo, a teoria crítica da raça e destruindo a família nuclear”.
Busch acrescentou que “este movimento neomarxista, operando sob alguma teoria discriminatória de Black Lives Matter, está atacando o experimento americano, que é baseado em princípios judaico-cristãos. Precisamos rezar para que acabe ou nosso país será destruído”.
O público – sem máscaras e quase exclusivamente branco – aplaudiu seu hino ao nacionalismo cristão entregue no conforto do Resort e Spa de Busch.
Em resposta às críticas ao Instituto Napa, Busch elogiou seu relacionamento próximo com os líderes da Igreja, incluindo o presidente da conferência dos bispos dos EUA, o arcebispo de Los Angeles José Gomez, a quem chamou de “um dos meus conselheiros mais próximos”.
Busch emergiu como alguém influente na Igreja ao financiar institutos acadêmicos, conferências de elite e uma escola de negócios para criar espaços de rede para políticos católicos, advogados de liberdade religiosa, líderes corporativos e clérigos em eventos que são parte da renovação espiritual, parte de sessões de estratégia política e parte de reavivamentos em tendas carismáticas que celebram o capitalismo sem restrições.
Em 2016, Busch fez uma doação de 15 milhões de dólares para a Universidade Católica da América em Washington D.C., a maior doação da história da instituição, que impulsionou a escola de negócios da universidade em homenagem a ele e sua esposa. Durante uma conferência do Instituto Napa em 2017, no Trump International Hotel, em Washington D.C., Busch elogiou o presidente Trump como líder pró-vida em um jantar do National Press Club com a presença do juiz da Suprema Corte Samuel Alito e do ex-senador Rick Santorum.
O Instituto Napa afirma promover uma ortodoxia heroica e musculosa em face das ameaças seculares e de um cristianismo liberal de joelhos fracos. Seus dogmas são amplificados por câmaras de eco como EWTN, First Things e uma rede de instituições que se autoproclamam os verdadeiros árbitros da identidade católica na vida pública.
“Estamos em uma época em que precisamos reconstruir as paredes da Igreja”, disse R.R. Reno, editor do First Things, em um painel sobre como renovar e reformar a Igreja. “Hoje nosso problema é que há muito pouca distinção entre a Igreja e o mundo. É hora de reconstruir. Neemias retorna a Jerusalém para reconstruir as paredes do Templo. Estamos em um momento neemiano no século XXI, onde reconstruímos as paredes da Igreja para que o mundo veja que somos uma instituição fundamentalmente distinta que vive de acordo com suas próprias leis e princípios, e não os princípios e leis do mundo”.
O arcebispo Samuel Aquila, de Denver, também enquadrou o estado do catolicismo em termos sombrios e defensivos. “Estes são tempos sombrios”, disse ele durante o painel de encerramento da conferência. “Costumo dizer aos meus seminaristas que alguns de vocês podem se tornar mártires se nosso país continuar na direção que está indo. O secularismo se tornou o falso deus. Temos que ser ousados e corajosos o suficiente para viver os custos do discipulado”.
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Instituto Napa expande a guerra cultural - Instituto Humanitas Unisinos - IHU